Vocação Diaconal: o ser e o fazer

Neste mês vocacional refletiremos um pouco mais sobre o diaconato, que foi instituído na Igreja Cristã com o propósito de assistir as pessoas pobres da igreja. Foram escolhidos sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria (At 6,3). Dessa forma, os apóstolos que estavam sobrecarregados com este serviço puderam se dedicar exclusivamente à oração e ao ministério da Palavra (At 6,4).

Diakonia é a palavra grega que define a função dos diáconos. Esta palavra significa serviço e possui muita importância para a Igreja, sendo este serviço conferido no Sacramento da Ordem através da ordenação diaconal, imprimindo um caráter indelével, ou seja, para sempre.

Na igreja latina o diaconato permanente passou 1600 anos quase invisível, sendo restaurado no Concílio Vaticano II, pois até então era conferido apenas àqueles que seriam ordenados presbíteros (diácono transitório). Hoje sabemos que a igreja possui dois tipos de diaconato: o transitório (para os que aspiram o presbiterado) e o diácono permanente, ficando permanentemente diáconos e estes podem ser celibatários ou casados. É um ministério de instituição divino apostólico e deve sempre existir na igreja.

É importante destacar que mesmo no diaconato transitório o diácono não exerce o ministério “apenas para ser padre”. Diácono é primeiro para ser diácono, porque foi chamado ao diaconato. É o terceiro grau do sacramento da ordem, sendo esta composta por três graus: o 1º grau episcopado, 2º grau presbiterado e o 3º grau diaconato.

Pela imposição das mãos ele recebe os dons do Espirito Santo para ser servo. Ser servo foi a missão de jesus que não veio para ser servido mas sim para servir, dando a vida até a cruz. O diaconato é dado para que aquele homem tenha uma vida que lembre a todos que cristo é servo e que a missão do cristo é servir, sendo ordenados para o serviço do altar, da palavra e da caridade.

O testemunho diaconal deve estar sempre mais no ser do que no fazer. Ao ficar uma hora em meditação ou oração talvez passe pela cabeça que aquele momento é uma perca de tempo e que seria mais importante correr atrás das “coisas de Deus” e assim acabamos esquecendo o “Deus das coisas”.  As coisas passam e só Deus permanece. Que possamos colocar nosso ser como mais importante diante de tantos desafios que o fazernos coloca para que de fato sejamos pessoas íntegras, doadas inteiramente e por completo a Jesus, o Bom Pastor, o servo de todos os servos que está em nosso meio como aquele que veio para servir.

No serviço do altar é o que apresenta o pão e vinho ao presbítero para que este ofereça a Deus o Sacrifício, que apresenta a oferta do povo e que zela pelos objetos litúrgicos; no serviço da palavra ele auxilia o presbítero na catequese, proclama o evangelho nas celebrações, faz homilias e pregações; e no serviço da caridade o diácono é intimamente ligado ao serviço social da paróquia sempre ajudando os pobres e necessitados. Um diácono pode batizar, assistir matrimônios, levar a Eucaristia aos enfermos, dar bênçãos, celebrar a Liturgia da Palavra, pregar, evangelizar, aconselhar, Celebrar as Exéquias e catequizar. Porém, não pode, ao contrário do sacerdote, celebrar o sacramento da Eucaristia (Missa), ouvir confissão e nem administrar a unção dos enfermos.

Ficando viúvo não se torna padre, mas sim um “diácono-viúvo”. Em algumas dioceses o diácono viúvo realiza uma complementação de estudos e é ordenado presbítero, mas isto não é regra e dependerá das necessidades da diocese bem como da anuência do bispo local. O diácono permanente não é um “quase-padre”, “substituto do padre” ou “mini-padre”. O diaconato e presbiterado estão intimamente ligados, mas são vocações distintas. Muitas vezes as atribuições deste ministério são difíceis de serem compreendidas, pois o diácono está “entre” os sacerdotes e os leigos, porém o diácono não é leigo e nem um sacerdote.

Não é honra, mas serviço. Não é poder, mas é se tornar um servidor na obra de evangelização, anunciando ao Senhor através de suas ações sendo homens da Palavra e de Palavra. Já dizia São Francisco de Assis quando enviava os Frades em missão: “Ide Evangelizar e se for preciso, use as palavras”. São homens que estão à disposição principalmente dos mais necessitados, ocupando-se do cuidado aos pobres, excluídos e marginalizados. A prática diária da oração, meditação e Eucaristia é a força que move este ministério.

O diácono não pode esquecer a família. A família deve apoiar o diácono no ministério mas este nunca deve estar totalmente ligado ao ministério diaconal esquecendo sua família, uma vez que ele desempenha a dupla sacramentalidade e o primeiro serviço do diácono está em sua família (matrimônio), devendo haver então equilíbrio entre a família e o ministério diaconal.

A palavra “vocação” vem do latim que significa “chamado”. Toda vocação sempre é iniciativa de Deus. “Não fostes vós que me escolhestes, mas eu vos escolhi” (Jo 15,16). Há lugar e oportunidade para todos e ninguém pense não ter uma vocação. Todos têm um Chamado pessoal de Deus a ser realizado na Igreja. E este é um tempo propício para cada um dar uma resposta concreta de amor a Deus.

São Lourenço, rogai por nós!

LEONARDO FLAUSINO, vocacionado ao diaconato permanente.

Esposa Taiane Dantas Silva.

Diocese de Ituiutaba-MG

Dez Anos do Diaconato Uma década a serviço do povo de Deus na Arquidiocese de BH

Nossa querida arquidiocese de Belo Horizonte, completou em 2021 seu centenário, com muitos motivos para celebrar. Na riqueza dos motivos a serem celebrados, destacamos a presença do diaconato permanente em nossa arquidiocese há uma década.

1a Ordenação

Desde 2011, com a ordenação dos sete primeiros diáconos permanentes, a caminhada do diaconato permanente escreve sua história na evangelização nas comunidades e paróquias que compõem nossa arquidiocese. Dentre os ministérios ordenados que existem, desde as primeiras comunidades cristãs, o diácono sempre cumpriu um importante papel na vida eclesial. Encarnando a dimensão do serviço e a figura do Cristo Servo, o diácono vive sua vocação a partir dessa dimensão própria de seu ministério. Apesar de, por vários fatores, no ocidente a figura estável do diácono ter desaparecido por quase mil anos, o Concilio Vaticano II resgatou e restabeleceu o diaconato permanente, inclusive para homens casados, como grau próprio, dentre os ministérios ordenados, além do Presbítero e do Bispo. A luz das necessidades pastorais da Igreja particular de Belo Horizonte, o diaconato foi trilhando um percurso bonito, constituindo um corpo diaconal vivo e atuante, atento aos desafios colocados para a fé cristã neste milênio. Sua estruturação foi tomando novos caminhos abertos ao que o magistério da Igreja acenava como caminhos nos quais o cristão devia seguir. Inicialmente organizado a partir de suas instancias arquidiocesanas, foi aos poucos descobrindo novas formas de se aproximar da realidade eclesial presente em nossa arquidiocese. Atualmente, existem quatro estruturas que organizam a vida, a formação e o trabalho pastoral dos diáconos na Arquidiocese de BH. Temos a CADE, que é a Comissão Arquidiocesana de Diáconos e Esposas, que congrega e representa os diáconos ordenados e esposas; o CADIPE, que é Conselho Arquidiocesano para o Diaconato Permanente que articula a dimensão formativa dos vocacionados, futuros diáconos; a Escola Diaconal São Lourenço que cuida da formação teológica; e as Diaconias Forâneas, que são as comunidades de vivencia diaconal, que também assumem parte da formação diaconal e todo trabalho de evangelização.

Diaconia – Catedral Cristo Rei

As diaconias já são um fruto maduro dessa caminhada, considerando as diretrizes da ação evangelizadora da Igreja do Brasil, indicando o caminho das pequenas comunidades missionárias, como um modelo de vivencia eclesial que promove a proximidade dos diáconos com suas realidades e espaço de aprendizado, convivência, oração e de troca de experiências. Hoje são quase quarenta diaconias presentes no território da Arquidiocese, mostrando sua capilaridade e vitalidade, mesmo em tempos desafiadores, como na pandemia. Também louvável e em sintonia, com as diretrizes da Igreja, se deu uma bonita participação e protagonismo das esposas dos diáconos e dos vocacionados à frente dos vários trabalhos e missões do diaconato permanente na Arquidiocese. Como nos ensina o Papa Francisco na Exortação Apostólica Pós Sinodal “Querida Amazonia” (nº 99-100), que ressalta a necessidade de envolver e encontrar caminhos para que possamos na Igreja ter uma participação das mulheres, que enriquece e completa a vivência do evangelho em nossas comunidades. Em nossa Arquidiocese essa participação já acontece, tendo no diaconato permanente, espaço para atuação e presença das esposas nas suas instancias de decisão.

Já são mais de uma centena de diáconos, presentes em vários âmbitos das pastorais, desde a presença em organismos em nível arquidiocesano, regionais e forâneos, nos condomínios, edifícios, conjuntos, e até a presença nas periferias, em especial nas vilas, favelas e aglomerados. Completamos uma década desta caminhada diaconal, com a maturidade de ter um rosto diaconal sendo claramente delineado nas ações de várias pastorais, como na pastoral da esperança, pastoral hospitalar, pastoral do menor, pastoral familiar, pastoral de rua e outras tantas presenças em todas as pastorais sociais. Também exercem uma belíssima evangelização na diversidade das realidades que estão abarcadas em nossa Arquidiocese. Na zona rural a presença mais que necessária da Igreja se dá muitas das vezes pelo trabalho conjunto de tantos agentes de pastoral leigos e diáconos que juntos realizam um bonito trabalho nas comunidades, como no Vale do Paraopeba, na região de Brumadinho, lugares onde o serviço aos que sofrem são tão importantes e necessários.

Temos construído na caminhada do diaconato permanente, uma pastoral da comunicação, genuinamente diaconal com produção de conteúdo, que trata da família diaconal e sua ação pastoral, seja da atuação dos diáconos e suas esposas, e também dos vocacionados e esposas que juntos realizam a comunicação, por meio de mais de 30 canais de mídias sociais (do Facebook ao Youtube). Já dispomos de website, de uma rádio na Web “Logos” e temos um quadro chamado “diaconia” apresentado quinzenalmente na TV Horizonte, retratando as diaconias exercidas nos vários âmbitos de atuação. Inovamos a formação diaconal com uma atenção especial ao acompanhamento pastoral, introduzindo o estágio pastoral em todas as etapas formativas, incorporando ferramentas tecnológicas como uma plataforma de gestão do acompanhamento pastoral.

A própria nomenclatura e forma como víamos o diaconato foi evoluindo e se ampliando, de diacônio formado apenas por diáconos, ministros ordenados, passamos a reconhecer e sermos conhecidos como corpo diaconal formado por diáconos, esposas e vocacionados. Posteriormente passamos a reconhecer a Família Diaconal formada por diáconos, esposas, vocacionados, nossos filhos e pais. Hoje falamos de diaconias que envolvem além de toda a família diaconal, todos os agentes de pastoral e evangelizadores que em conjunto com os diáconos e esposas formam uma grande força e frente de evangelização.

Tudo isso, visando dar a missão diaconal uma identidade própria e também reforçando a dimensão da sinodalidade, uma urgência na vida eclesial, como nos exorta o Papa Francisco. Por estes motivos, louvamos a Deus a graça do diaconato na Arquidiocese de BH, lembrando de todos os que contribuíram nesta caminhada: bispos, padres, diáconos, esposas, leigos e leigas, e todo o povo de Deus. Nestes dez anos de caminhada, estamos trilhando um caminho que nos leva a refletir o dom do serviço na Igreja, com humildade e disponibilidade, junto aos pobres, nos vários ambientes e servindo a todos.

Agosto de 2021 – mês vocacional

Centenário da Arquidiocese de Belo Horizonte – Dez anos do Diaconato Permanente

Prof. Diác. Normando Martins Leite Filho, esposo de Maria Aparecida de Lima Martins Leite

Diácono Permanente da Arquidiocese de Belo Horizonte

Professor Universitário, Filósofo e Teólogo

Mestre em Educação Tecnológica

Na Festa do Diácono São Lourenço, uma breve reflexão sobre a diaconia

Em 10 de agosto, a Igreja festeja o diácono São Lourenço, padroeiro dos diáconos. As diaconias (serviços) ajudam a aproximar o Evangelho de muitas realidades e podem ser uma resposta aos desafios da evangelização neste Terceiro Milênio. É preciso, contudo, tomar alguns cuidados para manter-se de pé no caminho.

A Igreja celebra, em 10 de agosto, a Festa do diácono São Lourenço, mártir. O nome do padroeiro dos diáconos remete-se a “laureado”, àquele que recebeu uma “coroa de louros”, geralmente colocada na cabeça de imperadores, grandes personalidades, atletas vitoriosos. Esse grande santo fez jus ao nome, pode-se dizer.

Os relatos de sua paixão foram registrados cerca de um século depois do martírio, ocorrido em 258. Hoje muitos dos dados são considerados lendários, mas alguns merecem fé, pois ficaram marcados no coração do povo desde tempos remotos. Um deles é o amor do arcediago por Roma, lugar pelo qual rezou antes ser assassinado. Por esse motivo, há muitas igrejas dedicadas ao mártir na Cidade Eterna. Foi, inclusive, o primeiro santo a dar título a igrejas fora do local do martírio.

Outro aspecto guardado com apreço pelos fiéis foi a dedicação do jovem ministro aos muitos necessitados. Ao lado de Inocêncio (ou Vicente), Genaro, Magno, Estêvão, Felicíssimo e Agapito, todos assassinados com Sisto II, em 7 de agosto daquele ano, o espanhol Lourenço era um dos diáconos que auxiliavam o Papa. Sua missão era a de administrar as obras de caridade e cuidar da esmolaria, cargo existente até hoje.

O arcediago não via seu apostolado como mero assistencialismo. Ele sabia muito bem quem causava as injustiças, tinha um olhar de alguém atento a seu contexto. Isso se mostra em sua ironia ao imperador Valeriano, o qual desejava para si os tesouros da Igreja: “Eis aqui os nossos tesouros, e eles não diminuem, e podem ser encontrados em toda parte!”, disse enquanto mostrava ao governante os pobres da Urbe. Segundo a tradição, ele morreu sobre brasas, mas hoje se crê que o santo tenha sido decapitado, como ocorreu a seus irmãos de ministério.

O testemunho do diácono Lourenço certamente tocou muitos cidadãos de Roma. Nem mesmo a perseguição feroz do Império freou o crescimento do número de seguidores de Jesus e a fama do mártir. Entre essas pessoas, havia homens e mulheres nobres, altos funcionários, militares e pessoas simples do povo. “Nós multiplicamos quando você nos colhe. O sangue dos cristãos é semente”, dissera Tertuliano poucas décadas antes.

Luzeiros para o ministério

Na Igreja, além de Jesus e Maria, dois outros luzeiros balizam o exercício do ministério diaconal. A tradição de Jerusalém mostra diácono Santo Estêvão, um dos sete primeiros diáconos escolhidos pelos apóstolos. Ele era célebre pela sabedoria, conhecimento da Palavra e tido como o primeiro mártir da Igreja, conforme atestam os capítulos 6 e 7 dos Atos dos Apóstolos.

A comunidade de Roma, por sua vez, indica diácono São Lourenço, jovem servo de Cristo, na dedicação aos mais necessitados, ao sucessor de Pedro e à administração dos bens da Igreja. A vida e o martírio de ambos resumem a missão dos diáconos ainda hoje, exercida nas chamadas diaconias.

Diaconias: ser discípulo e ir ao encontro

Os diáconos, palavra de origem grega, significa servidores, cuidam das chamadas “diaconias” (serviços, ministérios). Estas nem sempre se limitam a fronteiras territoriais, diferentemente de missões como as exercidas em paróquias e muitas capelanias. Por atenderem, com certo desembaraço, às demandas onde quer que estejam, as diaconias podem ser uma providencial resposta às necessidades da Igreja deste Terceiro Milênio. Isso se vê, por exemplo, na emblemática Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, na qual o Papa Francisco convoca a “sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho” (EG, 20). O Documento de Aparecida recorda aos diáconos as “fronteiras geográficas e culturais aonde não chega a ação evangelizadora da Igreja” (DAp, 205).

Nesse sentido, diferentes diaconias são exercidas (melhor: vividas) conforme as prioridades de cada (arqui)diocese. Umas focam mais nas vilas e favelas; outras, nas áreas rurais; outras, nas pastorais sociais, no acompanhamento de encarcerados, de enfermos, de famílias enlutadas, de irmãos e irmãs em situação de rua. Felizmente, a lista é enorme, mas continua sendo necessário insistir na súplica ao Senhor da Messe que envie mais operários para a lida. Apesar de o diaconato ser um dos mais prósperos ministérios na Igreja, o número de famílias diaconais ainda está longe do ideal.

Uma característica das diaconias, no sentido mais formal, é elas terem a presença do diácono e sua família, mas não se limitarem a estes. As ações contam com a indispensável presença de homens e mulheres que exercem sobretudo sua vocação de batizados, de discípulos-missionários, independentemente de sua condição eclesial. Muitas vezes, o ordenado cumpre a missão de ser o animador, o orientador espiritual e o formador de lideranças e agentes. É um “fermento na massa” (cf. Lc 13,20-21).

Para exercer bem uma diaconia, é importante que todos, sobretudo numa fraternidade diaconal (diáconos, vocacionados, formadores e respectivas esposas), tenham o coração aberto e o olhar vivaz para os mais diversos cenários sociais, culturais e pastorais. Verdadeiros ministros ou ministras têm consciência da amplitude da Igreja, com suas diferentes formas de manifestar e viver a fé. Sabem que há vários ritos, carismas, metodologias, abordagens mil para um mesmo problema e é preciso ter gosto pelo diálogo respeitoso com pessoas de todas as esferas sociais, inclusive não crentes. Só há vantagens e muito crescimento quando se é dócil ao subversivo Espírito que sopra aonde bem entende (cf. Jo 3,8a).

Nunca é demais lembrar: um cristão de espírito diaconal gosta do ser humano, a obra preciosa da Criação. Dessa forma, procura identificar o Sagrado no próximo (mesmo no “ficha suja”, no “lado B”), e não têm como método o discriminar pessoas. Assim, um membro de uma família diaconal é, sim, “do pessoal dos direitos humanos”, tanto em favor de santos quanto de pecadores, estes a quem Jesus veio chamar primeiro (Lc 5,32). “Todos têm o direito de receber o Evangelho. Os cristãos têm o dever de anunciá-lo, sem excluir ninguém, e não como quem impõe uma nova obrigação, mas como quem partilha uma alegria, indica um horizonte estupendo, oferece um banquete apetecível. A Igreja não cresce por proselitismo, mas ‘por atração’” (EG, 14).

Quem gosta de gente não ignora também a Casa Comum. Não apenas um membro da família diaconal, mas todo batizado, batizada não pode ficar indiferente ao saber de uma floresta em chamas, desajustes no clima, poluição do ar e das águas, agressões à fauna, à flora e aos defensores do planeta. “Tudo está interligado”, afirma Francisco na Encíclica Laudato si’. Cuidar da natureza é cuidar do ser humano e vice-versa, e fazer isso é um magnífico louvor a Deus.

Por fim e, claro, sem querer esgotar o tema, uma diaconia precisa recordar-se sempre do óbvio. Conforme afirmou algumas vezes o Papa, a Igreja não é uma ONG, mas uma realidade mais ampla. Se os servidores se preocupam com o ser humano, a natureza, se questionam as injustiças deste mundo e colaboram para o progresso é porque seguem os passos de Jesus, agem como o Senhor agiu e agiria. Isso exige a atitude constante de um discípulo, colocar-se aos pés do Mestre, o Deus Conosco. Sem a oração, a escuta atenta da Palavra e do magistério, sem o cultivo do silêncio libertador, tudo pode tornar-se cansativo, pode-se cair pelo caminho e o ministério virar uma mera corporação em busca de eficiência e resultados. Querer aprender com o Senhor é escolher a principal parte para, somente depois, servir (cf. Lc 10,41-42).

Possa o testemunho do glorioso mártir diácono São Lourenço, e também de muitos outros diáconos, servidores e servidoras anônimos, inspirar a caminhada dos batizados. Que Maria, a diaconisa-mor da Igreja, acompanhe e proteja toda a família diaconal.

Diác. Alessandro Faleiro Marques, e esposa,  Tânia Cecília Cardoso de Oliveira  Marques

10 de agosto de 2021 – Festa do Diácono São Lourenço, mártir

Centenário da Arquidiocese de Belo Horizonte – 10 anos do Diaconato Permanente

ALEGRIA: o outro nome de Deus!

Estamos praticamente às vésperas do Natal! A quatro domingos atrás iniciávamos este tempo favorável de vigilância e oração sob o símbolo da mística da coroa do advento. Não é difícil compreendermos o seu sentido: a cada vela acesa a luz se intensifica, vencendo as trevas e iluminando o coração com a verdadeira luz que nos mantem despertos: Jesus! Afinal nos conclama a Palavra: “Desperta, tu que dormes! Levanta-te dentre os mortos e Cristo te iluminará”! (Efésios 5, 14b. Is 26, 19; 60, 1). Esta luz, nascendo pequenina na gruta pobre de Belém, revestir-nos-á de uma esperança benfazeja a fim de compreendermos, espiritualmente, as idas e vindas da própria vida, os paradoxos que nos fazem chorar e rir, crer e duvidar, alegrar-se e entristecer-se, fidelizar e trair, guardar e partilhar, resistir e ceder… e por aí afora. Tudo é graça, Deus nos conduz!

No fundo, se bem o compreendermos, nada pode impedir que Deus espraie a alegria ao coração da humanidade: no princípio era a alegria, a Santa Alegria, que decidindo em seu mistério “contagiar” o mundo inteiro e a humanidade em especial (que ainda não existia) com seu amor, fez a luz (Gn 1, 3) e a humanidade à sua imagem e semelhança (Gn 1, 26). Desde então, não cessa de cuidar de nós convocando-nos a cada dia a nascermos de novo para a verdade do seu Reino, onde justiça e paz irão se abraçar.

Assim, como uma “mistagoga” do Pai (aquela que nos insere no mistério de Deus) a Igreja nos conclamava, no terceiro domingo do advento, a nos alegrarmos em Deus. Celebrávamos, naquela ocasião, o domingo gaudete, ou da alegria, devido, como sabemos, à primeira palavra do prefácio da Missa que reza: alegra-te! A outra ocasião em que esta alegria Santa é proclamada é o domingo laetare, na quaresma, que nos conclama ao júbilo pascal. Alegria e júbilo, pois, colocam num mesmo mistério de amor o nascer e o morrer, o natal e a páscoa, a manjedoura e a cruz, numa espécie de antecipação sempre possível, no coração da Igreja, do mistério do Redentor. Nossa “espera”, assim, é hiperbólica, ou seja, olhamos para a manjedoura, mas com os olhares fixos na cruz e na pedra rolada do sepulcro vazio, exultando com os anjos: “não está mais aqui, ressuscitou!” Nascer, morrer e ressuscitar é, pois, o que sempre esperamos e assim o podemos porque o Cristo nasceu, morreu e ressuscitou! Só assim é possível compreendermos que o canto tão popular do Noite Feliz, proclame, ao mesmo tempo, dois mistérios: da feliz noite do nascimento na manjedoura pobre da gruta de Belém e o da feliz noite que tendo escondido o corpo do Senhor vê a aurora anunciar a luz do ressuscitado!

Mas não romantizemos essa noite tão grave em sua urgência numa espécie de “era uma vez… e viveram felizes para sempre!” Deus não se cansa de interpelar-nos ontem, hoje e sempre. Trata-se de um realismo extremo e de um apelo espiritual inconteste: na mesma noite, só para ficar com um exemplo (os outros cada um de nós vamos aplicando à nossa própria realidade), a cantata de natal chega aos “ouvidos” de Deus cantada tanto pelas famílias abastadas de condomínios fechados e luxuosos que celebram a fartura de alimento na mesa, quanto pelas famílias dos favelados casebres e suas “quentinhas” doadas por alguém que sensibilizado, via olhares famintos de crianças que salivavam ao cheiro das iguarias. Todos cantam NOITE FELIZ… uns mais agradecidos, outros quase desesperançados pelas injustiças, mas todos proclamando a natalícia cantata… e Deus vendo e ouvindo os clamores dos filhos seus, acolhendo como um único pai, no paradoxo do amor, gratidão e esperança; bonança e miséria.  

Como não concluir que do coração de Deus, que costuma agir com entranhas de misericórdia, emerja mais uma vez e sempre um “suspiro” profundo de amor e um renovar sempre constante da ordem eternal: “vai, Filho de minha alegria, invade com nosso Espírito mais uma vez os corações dos homens, a quem decidimos criar à nossa imagem e semelhança. Nasce mais uma vez e sempre benfazejo no coração de meus filhos, teus irmãos. Da gratidão dos que muito tem, faze nascer a verdadeira partilha que inicia pela justiça e pela não-indiferença com o sofrimento alheio, o nosso Reino; aos que quase tudo faltam, de sua miséria criada pelas mãos dos próprios homens, faze nascer a perseverança da fé que não desanima e edifica no bem os homens de boa vontade. Vê: eles te chamam: MARANATHA!.Vai… não demoremos mais”. A antecipação da Santa Alegria se justifica porque o Senhor já veio na plenitude dos tempos e cumpriu sua obra em fidelidade ao Pai. Agora aguardamos o desfecho final de nossa fé na misericórdia divina que nos impulsiona a fazermos o bem e agirmos com justiça. Entre esta primeira vinda de Cristo e a sua parusia, sua manifestação definitiva que somente o Pai sabe o dia, esforcemo-nos por permitir que ele nasça nas manjedouras de nossos corações, de nossas famílias. Sobretudo, que a casa dos pobres sejam nossos nobres presépios e acorramos a elas com nosso melhor ouro, nosso melhor incenso, nossa melhor mirra. Presenteemos os pobres com nosso engajamento em mudanças efetivas que anunciem ao mundo que nascemos e morremos com o Cristo para com ele e seus pobres participarmos da glória do Reino, lá nos céus, um dia, e ainda mesmo aqui, na terra, lutando contra as injustiças e o pecado enquanto a plenitude não chega.

Diácono Robson Adriano

Advento: preparar-se para a chegada do noivo

Com o Tempo do Advento, que começa quatro domingos antes do Natal, iniciamos um novo ano litúrgico. Nessa espiral do calendário, vamos celebrando as ações de Deus (chamadas “mistérios”) na vida de seus filhos. A palavra “advento”, originária do latim, referia-se à espera da visita de um imperador. Como ocorreu com outros termos, o conceito foi apropriado pelos cristãos, aqui significando, desde o início, a expectativa pela volta de Jesus, no fim dos tempos (Mt 24,27). O correspondente grego é a palavra parusia (a forma sem acento é a mais usada no Brasil) ou parúsia.

Nós, latino-americanos, normalmente somos muito calorosos e acolhedores, por isso nos é fácil entender o espírito desta época. O Advento equivale ao que sentimos quando recebemos a notícia de que uma pessoa muito querida, e a qual não vemos há muito, virá nos fazer uma visita. Quanta alegria! Limpamos a casa, trocamos os lençóis e as toalhas, preparamos deliciosos quitutes.

É muito limitado dizer que este período é uma preparação para o Natal. Nestas quatro semanas, de fato, celebramos as três possibilidades do encontro com o Senhor, segundo São Bernardo de Claraval: o primeiro, o intermediário e o último.

O primeiro é o da encarnação do Senhor no seio de Maria e nascido como um pobre, num estábulo. Deus, em Jesus, tornou-se um de nós, portanto divinizando nossa condição humana. É o Deus que se fez pobre e rei (este não como pensa o mundo, diga-se!). Não é uma mera lembrança, mas um memorial solenemente celebrado no Tempo do Natal, que começa ao anoitecer do dia 24 de dezembro e vai até a Festa do Batismo de Jesus. São dias em que, pela sagrada liturgia, colocamo-nos diante da manjedoura e testemunhamos a manifestação (epifania) do Messias à humanidade.

O encontro intermediário é aquele que ocorre a qualquer hora, a depender de nossa disposição em se deixar abraçar por Deus. O Senhor vem a nosso encontro no Pão da Palavra, nos sacramentos, na oração, nos irmãos e irmãs, em especial nos mais fracos e excluídos.

A vinda futura de Jesus é o foco maior do Advento, pelo menos esse foi o intento dos cristãos dos primeiros séculos, ainda antes de uma formulação litúrgica deste período. Nos Evangelhos, o Senhor nos alerta para a necessidade de estarmos acordados para o encontro definitivo com Aquele que, sem qualquer aviso, vem a nós. Diferentemente de certos pensamentos ingênuos e ultrapassados, esse dia terá o tom da alegria, pois a Igreja (a grande comunidade dos batizados), a noiva, será beijada com muito carinho pelo Amado, que virá correndo a seu encontro. Essa linda noiva deve estar bem preparada para esse dia: vestida de justiça, adornada pelas joias da oração e do cuidado com os mais necessitados, trazendo o anel da misericórdia e o ramalhete do amor.

Serenidade na liturgia

O Tempo do Advento tem algumas particularidades interessantes quanto à liturgia. As leituras envolvem personagens admiráveis, com destaque a três figuras: o profeta Isaías, alimentando-nos com magníficos textos sobre a esperança (nunca precisamos tanto dela como agora!); São João Batista, que veio preparar os caminhos do Senhor; e a Virgem Maria, com seu “sim” ao projeto de Deus, mulher corajosa e modelo para todos nós.

Os hinos, costumeiramente muito bonitos quando os ministros do canto seguem o espírito da celebração, levam-nos ao recolhimento e nos chamam à conversão (volta ao caminho seguro). Não se canta o “Glória”, exceto nas solenidades e festas que caem nesse período. O chamado “Hino Angélico” é entoado com toda a alegria a partir da celebração da noite de 24 de dezembro (já no Natal). Ao contrário do que ocorre na Quaresma, a expressão “aleluia” pode ser entoada.

Os ornamentos são sóbrios, mas não com a austeridade quaresmal. A cor roxa nos recorda que a casa de nosso coração está sendo preparada para a festa do encontro. No meio do Advento, no terceiro domingo, os paramentos róseos anunciam que a hora da grande alegria está chegando. Esse domingo é chamado Gaudete (alegrai-vos), devido à antífona de entrada: “Alegrai-vos sempre no Senhor. De novo eu vos digo: alegrai-vos! O Senhor está perto!” (cf. Fl 4,4s). O ideal é que os enfeites natalinos sejam expostos do dia 24 até o fim do ciclo do Natal (que, reforço, não se encerra em 6 de janeiro).

Desde o primeiro domingo, as igrejas são adornadas com a coroa do Advento. Esse costume pagão foi ressignificado pelos seguidores de Jesus. A ideia é mostrar que, a cada vela acesa conforme avançam os quatro domingos, a luz do Senhor vai vencendo as trevas. É importante que o nascer dessas chamas seja visto por toda a comunidade, mesmo num momento de silêncio.

A partir de 17 de dezembro até o entardecer do dia 24, temos o que alguns chamam de “Semana Santa do Natal”. As leituras enfocam mais a primeira vinda do Salvador e insistem nas profecias sobre o cuidado de Deus para com seu povo. É impossível falar desses dias sem mencionar as dulcíssimas “Antífonas do Ó”. São breves versos cristológicos entoados sobretudo nas orações das Vésperas, na Liturgia das Horas, cuja beleza todo o povo é convidado a conhecer.

As manifestações populares de fé também têm vez nestes dias, a depender da cultura de cada lugar. A mais famosa em nosso país é a “novena de Natal”, um tesouro que tem produzido abundantes frutos espirituais em nosso povo. Ocasião indispensável para reunir a família, vizinhos e amigos em torno da Palavra e em espírito de fraternidade. É muito louvável que as crianças participem dessa prática.

Qualidade do Advento e do Natal

Há de se lamentar que um tempo tão frutuoso para nossa caminhada seja ofuscado pela correria às lojas, pela má preparação das liturgias ou mesmo pela ignorância a respeito do que se celebra. Nos dias em que “arrumamos a casa” para uma visita tão preciosa, ganhamos mais um convite de Deus a abandonarmos velhos costumes, caminhos tortuosos e voltarmos à estrada segura de Cristo.

Concluo com um trecho do saudoso verbita padre Tomaz Hughes, numa reflexão sobre o Evangelho do quarto domingo deste tempo: “A qualidade de nosso Natal dependerá, em grande parte, da qualidade de nosso Advento […]. Caso contrário, somente teremos uma festa no dia 25 de dezembro, que logo acabará e passará sem deixar rastros, a não ser dívidas a pagar ou ressacas”.

Uma feliz expectativa a você, sua família, sua comunidade! Vem, Senhor Jesus!

Artigo publicado originalmente no blog da Província Brasil Norte da Congregação das Irmãs Missionárias Servas do Espírito Santo (SSpS): blog.ssps.org.br

Alessandro Faleiro Marques

Diácono permanente na Arquidiocese de Belo Horizonte, professor, editor de textos para as irmãs servas do Espírito Santo.

Estende tua mão ao pobre.

No último dia quinze, como já vem fazendo a alguns anos consecutivos, o Papa Francisco nos lembrou dos “anawins de Yhwh”, ou seja, dos pobres de Deus. E como o termo hebraico anawin, remeta-nos também “àqueles que se dobram”, ou seja, os humildes em espírito que colocam toda a sua confiança no Senhor, pobreza e humildade se conjugam na convocação de Francisco. Por um lado, a miséria daqueles que nos expõe suas necessidades mais prementes como chagas abertas por um sistema perverso; por outro, o convite a reconhecermos que diante de Deus, a bem da verdade, somos todos pobres, necessitados de conversão… pois muitos de nós estamos com a barriga cheia ou o espírito inflado pela autossuficiência. Uma convocação inquestionavelmente louvável e necessária, mas, no mínimo estranha e sintomática. Estranha, uma vez que somos seguidores dAquele que não tendo lugar para nascer, viveu a vida sem ter onde reclinar a cabeça, teve como pai um carpinteiro e não um banqueiro ou empresário, deixou como herança a si mesmo nas migalhas de um sagrado pão, dando ainda ordens para servirmos como ele próprio serviu e como se não bastasse morreu entre dois ladrões sentenciado como fracassado e impostor, como nos atestam os Evangelhos. Haveria mesmo necessidade de um dia assim convocado se compreendêssemos que todos os dias a fé assim nos convoca? Não cuidar dos pobres nunca foi e nem nunca poderá ser uma opção; ao menos não uma opção cristã! Trata-se de um imperativo: “dai-lhes vós mesmos de comer”! (Lucas 9, 13).

Confesso meus irmãos: nunca foi tão difícil falar dos pobres, ou falar por eles!!!! Muito rapidamente vozes uni troantes se levantam, dentro e fora da Igreja, para classificar a atenção e o cuidado para com os pobres de fascismo, comunismo, socialismo etc e tal, alardeando aos quatro cantos do mundo que o socorro aos pobres foi uma ideologia plantada no coração da Igreja para fazê-la perecer como uma ONG malsã! É necessário, continuam em seu furor, exorcizar toda teologia da libertação até ao cúmulo de negar a razão de fé de inúmeros de nossos pastores que, compreendendo a sagrada missão do pastoreio junto aos mais pobres e necessitados, replicaram do Evangelho nos exortando no Concílio: As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco em seu coração (GS 1)”.

Há alguns dias, participando de um tríduo em preparação para a ordenação diaconal de alguns irmãos, fiquei edificado por um gesto simples, mas extremamente significativo, e quase já esquecido na Igreja: após a oração final, o celebrante chamou à frente duas senhoras. Uma delas deduzi facilmente quem seria: carregava as vestes litúrgicas do acólito que seria ordenado. A humilde senhora era sua mãe. A outra, simples e humilde, trazia nas mãos uma pequena caixinha. Depois de abençoadas as vestes litúrgicas, o celebrante voltou-se para o acólito, dizendo-lhe que toda a comunidade, mas principalmente os pobres, lhe queriam ofertar um presente: abriu a caixinha e apresentou ao acólito um anel de Tucum. A “senhorinha”, depois da bênção, colocou-lhe no dedo o anel, profetizando um ministério na companhia dos mais empobrecidos e necessitados, e sem dizer absolutamente nada, dizia, com seu gesto, absolutamente tudo: não se esqueça dos pobres do Senhor! Ele veio para servir, não para ser servido!

Fiquei dez dos melhores anos de minha vida no processo formativo do Seminário de Mariana e sou extremamente grato por isso. Sou de uma geração em que homens de esmerada humanidade e dedicação ao Reino e profunda espiritualidade me ensinaram a contemplar Jesus nos pobres e vice e versa, sem medo ou contradições, sem ideologia e com+paixão, fazendo-me ver a incongruência de uma espiritualidade que priorizasse somente a fé, sem o engajamento nas mudanças estruturais injustas, ou priorizasse tão somente as realidades estruturais e materiais tendendo a transformar a Igreja numa ONG. Homens que amaram profundamente a Igreja por terem amado ainda mais profundamente a Cristo, seu fundador, que amou os pobres prometendo-lhes o Reino de Deus. Somente para citar alguns, homens como Pedro Casaldáliga, defensor dos indígenas e marginalizados, adotando como lema de sua ação pastoral: “Nada possuir, nada carregar, nada pedir, nada calar e, sobretudo, nada matar; homens como Dom Helder Câmara, que congregou nossos bispos em conferência, defendendo arduamente os direitos humanos; poeta dos pobres e da não-violência; homens como Dom Luciano que morreu fazendo um pedido: não se esqueçam de “meus” pobres! Tantos e tantos mais que marcaram minha vida com um testemunho autêntico de fé. Ensinaram-me que se “pobres sempre os teremos conosco” (como nos ensinou o Senhor em João 12, 8), a fortiori deverá ser permanente também o zelo pastoral para com estes pobres, nossos mestres.

O Papa Francisco, nessa incômoda insistência que nos descentraliza, e que não propõe absolutamente nada de novo do que o próprio Jesus nos propõe, recupere para nós a certeza de que uma espiritualidade autenticamente cristã não poderá jamais propor-se em substituição à fome dos milhares e milhares dos quatro terços da humanidade, nossos irmãos, que passam fome de pão e de fé. Prossigamos, e rezemos pelo nosso Francisco a fim de que Deus o preserve da mira dos que “odeiam a fé” e não aconteça, agora na cidade do Vaticano, o que outrora aconteceu no “fim do mundo” com um pastor que incorporando à sua fé e à sua missão o Concílio Vaticano II afirmava:  “a mais profunda revolução social é a reforma séria, sobrenatural, interior de um Cristão. A missão da Igreja é identificar-se com os pobres. Assim a Igreja encontra sua salvação”. São Oscar Romero, rogai por nós!!!

Diác. Rosbon Adriano

Santidade, Perfeição ou Misericórdia?

A inspiração para o texto dessa semana vem com a pergunta de um jovem crismando, o Teófilo, mais uma vez, o amigo de Deus, como seu nome significa. Num encontro virtual, mas de forma bem realística, ele me questionou: – O que Deus quer de nós, diácono? Quer que sejamos santos ou que sejamos perfeitos?  Tem jeito isso, “véi”?!

Tem jeito sim Teófilo, e significa algo bem mais simples do que suspeitamos. A questão do nosso crismando é pertinente, sobretudo se nos voltarmos para a Palavra de Deus e tirarmos dela nossa fonte de inspiração. Por ela Deus nos admoesta: “Sede santos, porque eu sou santo”! (Levítico 11, 44). E essa admoestação foi confirmada pelo Apóstolo Pedro que assim se expressa: “‘Sede santos, porque Eu Sou santo!’ … Vós, no entanto, vos santificareis e sereis santos, pois Eu Sou Yahweh, o SENHOR vosso Deus” (1Pedro 1, 16), fazendo menção aos preceitos veterotestamentários, ou seja, do Antigo Testamento. Dessa forma, antigo e novo testamento nos apresentam o mesmo preceito: a santidade.

Mas interveio Teófilo, inquieto: – Mas no evangelho de Mateus está escrito – “Sede perfeitos como vosso Pai é perfeito”!  (Mateus 5, 48), diácono. E foi logo compartilhando a tela, mostrando-nos o texto como se lê para que não tivéssemos dúvidas.  – E então, é para sermos santos ou perfeitos?   

Coloquei ainda mais lenha na fogueira quando, ao invés de responder como ele queria, fiz outra observação, mas indicando agora o evangelista Lucas, que em algumas traduções não admoesta nem à santidade e nem à perfeição, mas à misericórdia!! Lemos: “Lemos: Sede misericordiosos como vosso Pai é Misericordioso!” (Lucas 6, 36). Ainda mais perplexo Teófilo se expressou: – Ih, agora lascou!!!!! É para ser santo, perfeito ou misericordioso? Aí deu ruim diácono!!!

Depois que rimos um pouco da “saia justa” na qual Teófilo se encontrava, fiz uma provocação: E se não precisássemos escolher entre um dos preceitos? E se ao invés de ou santidade, ou perfeição, ou misericórdia, estivéssemos sendo admoestados a sermos santos, perfeitos e misericordiosos? E se o projeto de Deus levasse em conta as três realidades?  Talvez seja essa a postura mais adequada.

Para tanto, teremos de partir do menor e mais importante versículo bíblico. Menor em extensão, mas absolutamente talvez o mais importante por ser aquele que define o ser mesmo de Deus: sua santidade, sua perfeição, sua misericórdia! Eis o versículo: “Deus é amor”! (1 João 4, 8b).  E todo aquele que ama mostra que vem de Deus e está com ele, pois no versículo anterior ainda lemos que “o amor vem de Deus”.

Em seu amor Deus nos destinou para sermos santos, que etimologicamente sugere ser separado, consagrado, posto à parte, como que preservado, uma porção escolhida. A santidade que Deus espera de nós é não nos conformarmos (mente e coração) com as coisas deste mundo, seus esquemas injustos e sua maldade, mas agirmos como filhos da luz. Para isso “ele nos criou com bênção espirituais em Cristo e nos escolheu nele antes ad criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis, diante de seus olhos”! (Efésios 1, 2-4). O amor, pois, nos destinou à santidade.

Esta condição de santidade nos coloca no mundo de forma diferenciada, capazes de romper com o ciclo da violência e do ódio pelo vínculo do amor. Somente pelo amor compreendemos que não se trata de sermos perfeitos no sentido de não possuirmos limitações e fraquezas, mas no sentido de vivermos a perfeita ação de amar, a Deus em primeiro lugar e por extensão ou consequência aos irmãos e irmãs. Trata-se, antes, de sermos perfeitos no amor: “No amor não há medo. Antes, o perfeito amor lança fora todo medo … e quem tem medo não é perfeito no amor”! (1 João 4, 18).

Quando compreendemos esta nossa missão de perfeição no amor, compreendemos igualmente que a única expressão realmente válida de amor é a misericórdia, que nos ensina a olhar-nos, olhar os outros e ao mundo com o coração de Deus revelado no coração sagrado do Filho que nos deu a máxima expressão de amor do alto da cruz: “Pai, perdoai-lhes, eles não sabem o que fazem”! E antes disso, para que não tivéssemos dúvida alguma de que a misericórdia é a autêntica expressão do ser de Deus, nosso Pai, nos ensinou: “todas as vezes que fizestes isso a um destes meus irmãos mais pequenos, foi a mim que o fizestes”! (Mateus 25 40b). O que fizeram, perguntar-nos-íamos? Agiram com misericórdia.

Pois é meu caro Teófilo! Vês como não só é possível como é esta nossa missão. Estar neste mundo, mas com ele não se conformar; sermos perfeitos no amor, jogando fora todo medo; agindo com misericórdia, pois não podemos dizer que amamos a Deus, se desprezamos nossos irmãos. Deus, com seu Espírito, nos confirme sempre em seu amor!

Diácono Robson Adriano

robsonfil@gmail.com

Peça à mãe que o filho atende!!!

A senhora Maria entrou apressada na sala de espera do doutor Jésus, cardiologista famoso no pequeno vilarejo chamado Cordisburgo, a cidade do coração! Médico muito requisitado por ali devido amplo conhecimento que tinha em matéria do coração, tanto pelo que aprendeu na faculdade (afinal, coração era sua especialidade) e mais ainda pelo que aprendeu com a vida (já era quase um centenário naquele pequeno vilarejo). A sala de espera estava cheia. Muita gente sem horário marcado tentando uma “brecha” na agenda do doutor. Entretanto, a senhora Maria estava tranquila: tinha conseguido um horário com o doutor. Depois de muitos dias tentando em vão, e quase já desistindo, uma amiga interviu e ali estava ela. Não demorou muito para ser atendida. Como de costume, com um sorriso largo e cativante no rosto, o doutor fê-la sentar-se carinhosamente e já foi perguntando: – “Em que posso ajudar, dona Maria?”  Durante toda a consulta, entre dizer os seus sintomas e entre ouvir a opinião do doutor, dona Maria incomodava-se com uma pequena imagem de Nossa Senhora dos Remédios que ficava na parede à sua frente, num oratório a ela dedicado. Não se aguentando, quase ao final da consulta, perguntou ao doutor: “- quem cura a doença é o médico ou a mãe do médico doutor?”, apontado para a sacra imagem!!! Mantendo ainda o mesmo sereno semblante e sem se livrar do cativante sorriso, o doutor lhe dirigiu uma observação: “- Como a senhora pode ver, os meus horários estão todos cheios! O horário da senhora mesmo, por exemplo, só consegui diminuindo meu horário de almoço!” Interrompendo o doutor, foi logo disparando a dona Maria: “- Muito obrigado, doutor! Minha amiga Izabel é que marcou a consulta para mim.” No que continuou o doutor: “– Sim, eu sei! Agora, a senhora é que não sabe que a dona Isabel, sua amiga, é muito amiga de minha mãe. Ela pediu à minha mãe o favor de interceder junto a mim por um horário para a senhora!! Como eu podia negar um pedido de minha mãe, não é mesmo? É como falamos por aqui dona Maria: Peça à mãe que o filho atende! Jesus é o remédio que todos precisamos e quem no-lo deu foi Maria, nossa terna mãe!

Nas famílias mais tradicionais ainda é comum vermos nas paredes da sala um quadro com o sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria, ladeados. Dois corações inseparáveis, unidos pelo mesmo amor a Deus. Duas fornalhas ardentes de caridade alimentadas pelo fogo do divino Espírito; fogo do divino amor. Um, a fonte viva que jorra para a vida eterna; o outro, manancial alimentado pela divina fonte. Os dois corações pulsam no ritmo do mesmo amor; um sagrado, o outro, consequentemente, imaculado.

No mês junho, dedicado ao coração sagrado de Jesus e ao imaculado coração de Maria, compreendemos a intenção da Igreja em sensibilizar nossos corações para a importância da maternidade espiritual de Maria, quando a recebemos por Mãe ao pé da cruz, tendo nos representado o discípulo que o Senhor amava e que escutou de sua boca: “Eis aí tua mãe!” (João 19, 26-27), tendo-a recebido por mãe desde então. Mais uma vez testemunhamos não haver competição alguma ou rivalidade entre esses divinos corações!!!

Estas cosias aprendidas desde nossa tenra infância só são bem compreendidas se acalentadas mais pelo afeto do coração, como Maria fazia, do que pela certeza da razão, como muitas vezes os fariseus tentavam fazer, mas acabavam se autojustificando ao invés de crer. Os afetos do coração podem caminhar juntos com a segurança da razão se ambas forem regradas com a sabedoria da fé que se abre para a revelação de Deus.

Foi assim que um amigo meu, pastor evangélico, depois de uma longa caminhada de amizade que cultivamos sem nos digladiarmos por questões doutrinais, pediu-me para apresenta-lo uma única razão bíblica que atestasse que a “historinha” da dona Maria pode ser levada a sério e de que, de fato, se pedirmos à Mãe de Jesus, ele nos atende. Então conversamos longamente sobre as bodas de Caná e a primeira manifestação pública de Jesus em relação aos seus milagres. Depois de todo o diálogo entre Maria e Jesus, do pedido de Maria intercedendo pelo casal e de ouvir de Jesus que a hora dele, fazendo menção ao mistério da cruz, ainda não havia chegado, e esclarecendo a sua relação com Maria no que diz respeito à hora derradeira, é impossível não compreendermos o que ela disse aos serviçais: “- Fazei tudo o que ele vos disser!” E Jesus obedeceu, a água transmutou-se, o vinho transbordou, a festa continuou. E obedeceu não como um subordinado, mas com uma obediência afetiva, amorosa, cuidadosa. Obedeceu porque compreendeu que do coração imaculado de sua mãe só aprendera, nesta vida conosco partilhada, o que depois colocou em prática: “eis aqui, a serva do senhor. Faça-se em mim segundo a vossa vontade!” (Lucas 1, 38). Aprendendo humanamente de sua mãe, o Senhor nos disse: “Eis que vim para servir, não para ser servido!”

Mãe e Filho tinham, assim, a mesma missão: “Aqui estou [aqui estamos] para fazer [para fazermos] a tua vontade”! (Salmo 40(39), 8).

                                                                                                Diácono Robson Adriano

Deus, amigo da vida!!!

Lembro-me bem e com todo afeto de meu coração daquele dia. Visitávamos a médica para fazermos o nossa primeira ultrassonografia! Estávamos ansiosos para tentar decifrar, nas imagens distorcidas, o contorno de nossa branca flor da alegria (significado do nome de nossa filha, Yasmin Letícia). Na cumplicidade que assume a vida como um DOM e um COMPROMISSO seguíamos cada curvinha ainda indefinível a olhos não iniciados na arte médica. Mas a doutora prosseguia, escrutinando cada pedacinho de gente! Foi quando, atentos, fomos surpreendidos por uma sonoridade incomum: intensa, forte, rápida e pulsante. – Estão ouvindo? – Perguntou a doutora! – É o coraçãozinho da filha de vocês! Para nós, pais de primeira viagem, uma verdadeira sinfonia, tocada pelos acordes sublimes do amor, na grande orquestração da vida, composta por Deus em seu amor. – E ela está medindo cerca da metade de um grão de arroz! Continuou a doutora. Um coração já batendo numa semente de gente do tamanho de meio grão de arroz! Quanta vida! Quanto milagre! Se em nossa limitação e pequenez humana nos deslumbrar assim pela força de uma vida desabrochando, de um rebento florindo, quanto mais Deus que afirma: “Antes que no seio fosses formado, eu já te conhecia; antes de teu nascimento, eu já te havia consagrado”! (Jeremias 1, 5). Poderia ser d’outra forma para um Deus proclamadamente “amigo da vida”? (Sabedoria 11, 26b). E conhecendo-nos desde sempre em eterna compleição, amou-nos e consagrou-nos neste amor para sermos dignos do direito sagrado à vida, desde que gestados, até o dia em que completarmos nossa missão.

Mas numa sociedade adoecida demais, solapada por todos os lados pelos contra-valores que minam pouco a pouco o coração dos seres humanos, vamos esmorecendo na esperança, amargurando no desafeto, azedando nas afeições, exorcizando, assim, a gratidão e a alegria do coração. Nessa sociedade do cansaço, da agitação sem pausa, da descontração sem alegria, do trabalho sem vocação, da gritaria sem harmonia, da tolerância sem simpatia, do toque sem a carícia, dos milhares de seguidores, mas sem muita companhia… vai crescendo o número dos que, sob o pesado fardo de um amor não encontrado, são engolidos pela “desrazão” e olhando para um abismo sem fim, não suportando a dor que desaprenderam a contemplar na e pela cruz, rompem com a sagrado liame do viver, ou o impedem àqueles sem voz e ainda sem vez. E seríamos capazes de dizer que isso, assim posto, nada conosco tem haver? Lavaremos as mãos? Apenas ousaremos ajuizar sem compaixão e sem verdade?

Nesta semana nacional pela valorização da vida, e extensivamente em referência ao dia do nascituro, ou seja, aquele que está sendo gerado ou concebido mas que ainda não nasceu, tomemos consciência do afetuoso clamor que sai do coração de Deus: “quantas vezes quis ajuntar os teus filhos como a galinha abriga a sua ninhada debaixo das asas, mas não quisestes! Eis que vossa casa ficará deserta. (Lucas 13, 34b-35). Façamos a parte que nos cabe na difícil missão de minorar os sofrimentos e angústias de tantos que, com os corações desertos, magoados, frios e sem vida, ferem a si próprios num clamor desesperado pelo fim do sofrimento. Ou ainda, a missão de amar a vida acima de tudo, haja o que houver, e não consentir que a vida gerada no ventre, não tenha o direito de nascer, de ter a possibilidade de aprender O “amor tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”! (1Cor 13, 7).

E para você, quando tudo lhe parecer sem cor e sem tom, e a dor lhe parecer consumir, como já mostrei aqui em outra ocasião, não se esqueça: 1º. Creia em Deus. Um crer que, mais que sentir, entregar-se crendo que o universo inteiro tem um propósito e que o sofrimento faz parte desse propósito; 2º. Deus não está distante. Revelou-se em seu Filho e despertou nossos corações para o verdadeiro amor. E não há nada maior do que este amor; absolutamente nada. Acredite, nada mesmo.  E com este amor, Deus conquistou algumas pessoas para si, e consequentemente, para o bem: confie em alguém, amigo de Deus! Nunca guarde a dor só para si mesmo(a); desabafe, converse, confidencie e permita que este alguém te ajude; 3º. Nunca deixe de fazer o bem, ainda que com extremado sacrifício. O bem é o único capaz de fazer-nos enxergar além de nós mesmos e de nossa dor.

E lembro-me da canção que cantávamos para nossa pequena. Tenho a impressão de que a verdade que ela desvela é a mesma verdade desvelada do coração de Deus por nós: “Floquinhos de algodão misturam-se no azul do céu. Folhas verdes, árvores, pássaros, montes. Tudo mostra quão bonito é o que Deus criou. Tudo mostra quão bonito é o que Deus criou. Você também faz parte dessa criação, como obra bela, obra prima, que Deus, o bom Deus me (nos) deu, meu (nosso) grãozinho de ouro (bis). Abelha faz o mel, o passarinho canta. A árvore com o fruto alimenta o homem. Tudo é sinal do amor de Deus por cada um de nós. Tudo é sinal do amor de Deus por cada um de nós. Você também, com o seu jeitinho de ser, é para mim, concretamente, sinal do amor de Deus, meu (nosso) grãozinho de ouro…

Diácono Robson Adriano

Do virtual ao real, Deus nos ampara em seu amor!

A noite já ia adiantada, engolindo o dia e trazendo consigo o cansaço de mais um dia e a necessidade do merecido descanso. Já ensaiava a oração das completas, convocado pelo hino – “Agora que o clarão da luz se apaga, a vós nós imploramos, Criador: com vossa paternal misericórdia, guardai-nos sob a luz do vosso amor!” – quando fui interrompido pelo telefone. Como o número não fora identificado, relutei em atender, mas decidi fazê-lo uma vez que só iniciava a oração da noite e poderia recomeça-la sem problemas posteriormente. Além do que, às vezes é preciso saber deixar Jesus (na oração) para encontrar Jesus (na vida). Identifiquei rapidamente a voz de uma amiga, assim que a ouvi me perguntando se eu estava bem! Antes mesmo de me deixar respondê-la, já foi logo chorando e desabafando: “não estou bem não, meu amigo! Acabei de perder meu companheiro para um câncer no pulmão! Como se não bastasse, também testei positivo para o COVID 19! Estou em outro estado, e não encontrei ninguém que pudesse sufragar por mim e comigo a alma dele. Pensei em você e se poderia valer-nos nesta hora, ainda que virtualmente. Isso não importa! Ele sempre teve muita fé, eu também tenho e para Deus não há distâncias ou isolamento. Posso contar contigo?”

Alegrar-se com os que se alegram e chorar com os que choram, (cf. Rm12, 15) foi o que são Paulo nos ensinou, depois de ter aprendido com o próprio Jesus. Marcamos, então, as exéquias para um pouco mais tarde. Era a primeira vez que me vi sendo solicitado para o cortejo fúnebre de um falecido de forma VIRTUAL!! O falecido era real, a circunstância real, o sofrimento da amiga real e mais real ainda a sensação de abatimento devido a tanta tribulação; a tristeza era real; o vírus da morte era real, mas também real a fé e a certeza de que, não obstante a virtualidade da forma da celebração, a REALIDADE do amor de Deus fecunda toda dor e toda tristeza, nos amparando sempre.

Carregamos nosso tesouro em vasos de argila, tamanha é a fragilidade de nossa humana condição. (cf. 2 Cor 4, 7). E se não permitirmos que nossa fé fecunde o chão batido de nossos sofrimentos e dores, atolaremos na angústia, no desânimo e destruiremos o sentido de viver!! Pois a angústia sufocará a esperança, o desânimo nos deprimirá e chegaremos à conclusão que não valerá mais a pena viver!!! Mas CREMOS e ousamos professar nossa fé contra toda desesperança. Embora em tudo sejamos atribulados, não somos, esmagados; embora perseguidos, não somos desamparados; embora abatidos, não somos destruídos. Compreendemos que “sem cessar trazemos em nosso corpo a agonia de Jesus a fim de que a sua vida também seja manifestada” em nós. Por isso mesmo não perdemos a coragem e estamos sempre cheios de confiança. (2 Cor 4, 8-10;16. 5, 6)

Por isso mesmo, cada instante e circunstância deve ser aproveitado como se fosse o primeiro, o único e o último! É como nos diz a canção, Verdades do Tempo, É preciso ofertar o amor mais sincero, o sorriso mais puro e o olhar mais fraterno. O mundo precisa saber a verdade: passado não volta, futuro não temos e o hoje não acabou. Por isso ame mais, abrace mais, pois não sabemos quanto tempo temos pra respirar. Fale mais, ouça mais. Vale a pena lembrar que a vida é curta demais!” Devemos degustar a vida, em seu dulçor e sabor, com todo afeto e ternura. Esta intensidade de afeto é a única coisa que, como o amor, jamais passará e nos permitirá, aqui nesta terra, nesta vida, não sucumbirmos aos desamores e desesperanças, bem como na outra vida nos abrirá o coração de Deus em eternidade. Essa é a sabedoria do tempo presente vivido como dádiva em todas as decisões, todos os projetos e considerações! E essa sabedoria nos faz compreender que, embora seja legítimo lágrimas e choro em toda morte, elas brotam do afeto que nos une uns aos outros e estão carregadas de amor. Bem assim mesmo fez Jesus quando chorou a morte de seu amigo Lázaro!

Enquanto escrevia este artigo fui solicitado ainda duas outras vezes para responder à mesma realidade do companheiro de minha amiga, embora não virtualmente. Se juntam às mais de cento e quarenta mil pessoas acometidas pelo vírus nesta pandemia! Não podemos permitir que tais números só nos remetam a uma triste estatística, que de tantos, nos acostumamos com a notícia que nem mais tristemente a recebemos. Por trás de todas elas há histórias sem fim que nos remetem à nossa condição. Por essas pessoas que ficam na companhia da ausência e da saudade, rezamos: “Deus do afeto e do afago; companheiro na vida e na morte. Teu amor fiel por nós não termina nunca. Nosso choro pode até se prolongar por toda a noite, mas tu nos restituis a alegria assim que o dia amanhece. Toca-nos com a tua graça sanadora para que nossa vida seja restaurada e possamos assim viver nossa vocação como um povo ressurreto! Amém!”(CEBI)

Diác. Robson Adriano