A senhora Maria entrou apressada na sala de espera do doutor Jésus, cardiologista famoso no pequeno vilarejo chamado Cordisburgo, a cidade do coração! Médico muito requisitado por ali devido amplo conhecimento que tinha em matéria do coração, tanto pelo que aprendeu na faculdade (afinal, coração era sua especialidade) e mais ainda pelo que aprendeu com a vida (já era quase um centenário naquele pequeno vilarejo). A sala de espera estava cheia. Muita gente sem horário marcado tentando uma “brecha” na agenda do doutor. Entretanto, a senhora Maria estava tranquila: tinha conseguido um horário com o doutor. Depois de muitos dias tentando em vão, e quase já desistindo, uma amiga interviu e ali estava ela. Não demorou muito para ser atendida. Como de costume, com um sorriso largo e cativante no rosto, o doutor fê-la sentar-se carinhosamente e já foi perguntando: – “Em que posso ajudar, dona Maria?” Durante toda a consulta, entre dizer os seus sintomas e entre ouvir a opinião do doutor, dona Maria incomodava-se com uma pequena imagem de Nossa Senhora dos Remédios que ficava na parede à sua frente, num oratório a ela dedicado. Não se aguentando, quase ao final da consulta, perguntou ao doutor: “- quem cura a doença é o médico ou a mãe do médico doutor?”, apontado para a sacra imagem!!! Mantendo ainda o mesmo sereno semblante e sem se livrar do cativante sorriso, o doutor lhe dirigiu uma observação: “- Como a senhora pode ver, os meus horários estão todos cheios! O horário da senhora mesmo, por exemplo, só consegui diminuindo meu horário de almoço!” Interrompendo o doutor, foi logo disparando a dona Maria: “- Muito obrigado, doutor! Minha amiga Izabel é que marcou a consulta para mim.” No que continuou o doutor: “– Sim, eu sei! Agora, a senhora é que não sabe que a dona Isabel, sua amiga, é muito amiga de minha mãe. Ela pediu à minha mãe o favor de interceder junto a mim por um horário para a senhora!! Como eu podia negar um pedido de minha mãe, não é mesmo? É como falamos por aqui dona Maria: Peça à mãe que o filho atende! Jesus é o remédio que todos precisamos e quem no-lo deu foi Maria, nossa terna mãe!”
Nas famílias mais tradicionais ainda é comum vermos nas paredes da sala um quadro com o sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria, ladeados. Dois corações inseparáveis, unidos pelo mesmo amor a Deus. Duas fornalhas ardentes de caridade alimentadas pelo fogo do divino Espírito; fogo do divino amor. Um, a fonte viva que jorra para a vida eterna; o outro, manancial alimentado pela divina fonte. Os dois corações pulsam no ritmo do mesmo amor; um sagrado, o outro, consequentemente, imaculado.
No mês junho, dedicado ao coração sagrado de Jesus e ao imaculado coração de Maria, compreendemos a intenção da Igreja em sensibilizar nossos corações para a importância da maternidade espiritual de Maria, quando a recebemos por Mãe ao pé da cruz, tendo nos representado o discípulo que o Senhor amava e que escutou de sua boca: “Eis aí tua mãe!” (João 19, 26-27), tendo-a recebido por mãe desde então. Mais uma vez testemunhamos não haver competição alguma ou rivalidade entre esses divinos corações!!!
Estas cosias aprendidas desde nossa tenra infância só são bem compreendidas se acalentadas mais pelo afeto do coração, como Maria fazia, do que pela certeza da razão, como muitas vezes os fariseus tentavam fazer, mas acabavam se autojustificando ao invés de crer. Os afetos do coração podem caminhar juntos com a segurança da razão se ambas forem regradas com a sabedoria da fé que se abre para a revelação de Deus.
Foi assim que um amigo meu, pastor evangélico, depois de uma longa caminhada de amizade que cultivamos sem nos digladiarmos por questões doutrinais, pediu-me para apresenta-lo uma única razão bíblica que atestasse que a “historinha” da dona Maria pode ser levada a sério e de que, de fato, se pedirmos à Mãe de Jesus, ele nos atende. Então conversamos longamente sobre as bodas de Caná e a primeira manifestação pública de Jesus em relação aos seus milagres. Depois de todo o diálogo entre Maria e Jesus, do pedido de Maria intercedendo pelo casal e de ouvir de Jesus que a hora dele, fazendo menção ao mistério da cruz, ainda não havia chegado, e esclarecendo a sua relação com Maria no que diz respeito à hora derradeira, é impossível não compreendermos o que ela disse aos serviçais: “- Fazei tudo o que ele vos disser!” E Jesus obedeceu, a água transmutou-se, o vinho transbordou, a festa continuou. E obedeceu não como um subordinado, mas com uma obediência afetiva, amorosa, cuidadosa. Obedeceu porque compreendeu que do coração imaculado de sua mãe só aprendera, nesta vida conosco partilhada, o que depois colocou em prática: “eis aqui, a serva do senhor. Faça-se em mim segundo a vossa vontade!” (Lucas 1, 38). Aprendendo humanamente de sua mãe, o Senhor nos disse: “Eis que vim para servir, não para ser servido!”
Mãe e Filho tinham, assim, a mesma missão: “Aqui estou [aqui estamos] para fazer [para fazermos] a tua vontade”! (Salmo 40(39), 8).
Diácono Robson Adriano